Pesquisa publicada na revista ‘Nature’ analisou mais de 500 amostras de material digestivo fossilizado, conhecidas como bromalitos, que foram encontradas na região centro-sul da Polônia.
Amostras de fezes e vômito fossilizados encontradas na Polônia ajudaram a reconstruir o papel ecológico dos dinossauros durante os primeiros estágios da evolução desse grupo de répteis, revela um novo e inovador estudo publicado nesta quarta-feira (27) na revista científica “Nature”.
Ao todo, a pesquisa analisou mais de 500 amostras de material digestivo fossilizado, conhecidas como bromálitos, que foram encontradas na região centro-sul da Polônia, mais especificamente na Bacia Polonesa, uma área geológica rica em fósseis do final do Triássico e início do Jurássico.
🌋🦖RELEMBRE: O Período Triássico foi o primeiro período da Era Mesozoica. Começou há 252 milhões de anos e terminou há 201 milhões de anos, quando deu lugar ao Período Jurássico. Esse último durou de 201,3 milhões a 145 milhões de anos atrás.
Dentre essas amostras, havia fezes fossilizadas, chamadas coprólitos, e vômito fossilizado, chamado de gastrolitos.
A pesquisa, realizada pela Universidade de Uppsala (Suécia) em parceria com instituições da Noruega, Polônia e Hungria, usou esses vestígios para entender como os dinossauros se tornaram os animais dominantes nos ecossistemas da Terra.
A prática é comum na paleontologia para a investigação do comportamento dos dinossauros e da evolução da vida no planeta. No entanto, o diferencial do estudo foi a utilização de métodos pioneiros, como avançadas técnicas de imagem que revelaram o conteúdo não digerido presente nas amostras (restos de plantas, insetos e até ossos).
Com isso, os pesquisadores obtiveram informações valiosas sobre a dieta desses primeiros “dinos” do mundo e puderam comparar esses dados com registros fósseis existentes.
As análises foram também combinadas com dados sobre o clima e as plantas da época, elementos que ajudaram a estimar como o tamanho e a quantidade dos vertebrados mudaram ao longo da ascensão dos dinossauros.
“As evidências da Bacia Polonesa sugerem que os primeiros ancestrais dos dinossauros eram animais pequenos e oportunistas, ocupando um papel secundário nos ecossistemas”, conta ao g1 o paleontólogo Martin Qvarnström, um dos autores do estudo.
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Uma ‘dinoportunidade’
Qvarnström explica que esses dinossauros eram muito flexíveis quanto à sua alimentação, consumindo uma grande variedade de recursos que encontravam em seus ambientes. Isso incluía insetos, peixes, plantas e outros materiais disponíveis.
E foi justamente essa diversidade de dieta que lhes deu uma vantagem na adaptação a mudanças climáticas e ecológicas do final do Triássico, um período marcado por extinções em massa.
Estima-se que essas extinções resultaram no desaparecimento de cerca de 76% das espécies marinhas e terrestres do planeta e de aproximadamente 20% de todos os grupos de organismos.
O final do Triássico foi marcado por mudanças climáticas significativas, com uma transição de condições áridas e quentes para um clima mais úmido. Esse cenário também trouxe modificações na vegetação, com o surgimento de novas plantas. Os primeiros dinossauros herbívoros souberam aproveitar essa diversidade de flora, adotando dietas mais variadas, ao contrário dos herbívoros especializados que dominavam o período anterior.
— Martin Qvarnström, paleontólogo e autor do estudo.
Foi justamente todo esse processo que abriu caminho para o início de uma nova era na história da vida na Terra: o famoso período Jurássico.
O estudo destaca, porém, que as novas evidências apontam para o fato de que os dinossauros não dominaram o planeta há milhões de anos por competir diretamente com outros répteis nessa época. Pelo contrário, eles conseguiram aproveitar as chances criadas pela extinção de outras espécies.
Ou seja, em vez de disputar com os animais que já estavam no ambiente, os dinossauros começaram a ocupar os espaços deixados por esses grupos que desapareceram.
Um exemplo disso são os silesaurídeos, répteis que se alimentavam de diferentes tipos de alimentos e que foram desaparecendo, abrindo caminho para os dinossauros. Essa mudança é chamada pelos cientistas de “substituição oportunista”.
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Um dos coprólitos analisados no estudo, inclusive, revelou informações importantes sobre o Smok wawelski, um dos primeiros dinossauros carnívoros, que viveu na região de Lisowice, no sul da Polônia.
Seu material fóssil continha fragmentos de ossos e dentes serrados, sugerindo que o animal caçava grandes presas, como outros répteis ou dinossauros menores que coexistiam com ele naquela época.
“Curiosamente, descobrimos também que alguns dinossauros consumiam até carvão, provavelmente para neutralizar toxinas presentes em plantas como as samambaias. Essa capacidade de adaptação permitiu que os dinossauros herbívoros aproveitassem novos nichos ecológicos criados por essas mudanças no ambiente”, acrescenta Qvarnström.
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Um fóssil no meio do caminho
Outro dado interessante apresentado no estudo tem a ver com o fato de que, ao contrário de outras regiões do mundo, como a América do Sul, onde os saurópodes já estavam presentes (dinossauros gigantes, herbívoros, com pescoços longos e cabeças pequenas), em Lisowice não foram encontrados até então fósseis desses grandes dinossauros herbívoros no final do Triássico.
Segundo os pesquisadores, isso não só destaca a singularidade da fauna polonesa daquele período, como também sugere que o cenário ecológico local era muito diferente em relação a outras regiões mundo.
Ou seja, enquanto em outras partes da Pangeia os saurópodes já haviam começado a se espalhar, essa área ainda não havia sido colonizada por essas criaturas, uma teoria que reforça a ideia de que a distribuição dos dinossauros nem sempre aconteceu de forma simultânea e homogênea pelo planeta.
E estudar esse aspecto de distribuição geográfica é importante para os cientistas compreenderem como os diferentes fatores ambientais e climáticos da Terra na época influenciaram a ascensão e o domínio dos dinossauros em certas regiões.
“O Episódio Pluvial do Carniano [CPE, na sigla em inlgês] parece estar bem documentado em uma escala global, mas seria interessante ver como ele se expressa nas camadas da Bacia Polonesa”, diz ao g1 Lawrence Tanner, professor de Ciências Biológicas e Ambientais no Le Moyne College (EUA), que não teve envolvimento com a pesquisa de Qvarnström.
Fonte: Roberto Peixoto, g1 – 27/11/2024