Deputado é acusado de quebra de decoro por ter expulsado, aos chutes e empurrões, um militante do MBL de dentro da Câmara; Glauber diz que processo é ‘parcial’. Perda do mandato precisa ser confirmada por, no mínimo, 257 dos 513 deputados.
O Conselho de Ética da Câmara recomendou ao plenário da Casa a cassação do mandato do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ). A votação no conselho foi de 13 votos pela cassação e 5 contra.
Glauber é acusado de ter quebrado o decoro parlamentar ao expulsar, aos chutes e empurrões, um militante do Movimento Brasil Livre (MBL) do interior da Câmara, em abril de 2024.
Durante a sessão, ele anunciou greve de fome até o fim do processo. Ou seja, até o plenário votar.
A sessão, mais uma vez, foi marcada por tumulto e por palavras de ordem de apoiadores de Glauber Braga.
A decisão do órgão, que concluiu por maioria de votos que houve quebra de decoro, deverá ser encaminhada ao plenário da Casa, a quem cabe a palavra final sobre o futuro do parlamentar.
⏳ Antes de o caso ir ao crivo do conjunto dos deputados, Glauber Braga poderá, ainda, apresentar recurso à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nos próximos dias.
Para que Glauber perca efetivamente o mandato, a recomendação do Conselho de Ética precisará ser aprovada pelo plenário da Câmara por, no mínimo, 257 dos 513 deputados. Ainda não há data para que a análise ocorra.
O veredito do Conselho de Ética seguiu entendimento apresentado pelo relator do caso, deputado Paulo Magalhães (PSD-BA). Em seu voto, ele concordou com a denúncia apresentada pelo Partido Novo contra Glauber Braga e disse não ter “dúvidas” de que as agressões ocorreram.
Glauber Braga critica o parecer de Magalhães. O parlamentar afirma que o relator é “parcial” e que todo o teor do voto já estava sacramentado muito antes de o processo ter seguimento no Conselho de Ética.
Ele também acusa o ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) de interferir na condução do processo — Glauber e Lira entraram em rota de colisão depois de o deputado fluminense denunciar supostas irregularidades na distribuição de emendas parlamentares.
Ao g1, Glauber diz que o caso está sendo usado contra ele como “desculpa para calar quem se manifesta contra o escândalo do orçamento secreto” (entenda mais abaixo).
O caso
A denúncia que pode levar à cassação de Glauber Braga foi apresentada pelo Partido Novo em abril de 2024.
A sigla narra que Glauber protagonizou, dentro das dependências da Câmara, embates físicos com o membro do MBL Gabriel Costenaro e o deputado Kim Kataguiri (União-SP), um dos fundadores do movimento.
Segundo vídeos do episódio e os relatos colhidos ao longo do processo no Conselho de Ética, o deputado e Costenaro discutiram verbalmente em um dos anexos da Casa.
O desentendimento evoluiu para empurrões e chutes do parlamentar contra o militante, em uma tentativa de retirá-lo à força das dependências da Câmara.
Glauber Braga afirmou ao g1 que a ação contra Gabriel Costenaro foi uma “reação a provocações sistemáticas” do militante e de outros membros do MBL ao próprio parlamentar e a aliados.
Segundo o deputado, o militante do MBL teria ofendido a honra de sua mãe, que veio a falecer poucas semanas depois do tumulto na Câmara dos Deputados.
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A discussão entre os dois não encerrou depois de Glauber ter conseguido expulsar Costenaro da Câmara. A confusão seguiu para o exterior da Casa e precisou ser apartada por policiais legislativos, que levaram os dois para prestar depoimento no Departamento de Polícia Legislativa (Depol) da Câmara.
No Depol, segundo material levantado pelo conselho, Glauber Braga passou a discutir com o também deputado Kim Kataguiri (União-SP). Kim, que é um dos fundadores do MBL, havia se dirigido ao local para acompanhar o correligionário.
O Partido Novo sustenta que, neste momento, também teria havido agressões de Glauber contra Kim. Em depoimento ao Conselho de Ética, o deputado paulista negou ter sido agredido. Mas o relator, em seu parecer, concluiu que houve agressão.
O voto de Paulo Magalhães diz não haver “dúvidas” de que as agressões ocorreram. Afirma, ainda, que o conteúdo da denúncia pôde ser confirmado por imagens do sistema de monitoramento da Câmara.
O relator diz que, embora outras pessoas tivessem tentado impedir que Glauber agredisse Gabriel Costenaro, o deputado “não atendeu a tais apelos, reagindo de forma desproporcional”.
Depois de relatar a briga entre Glauber Braga e o militante do MBL, Paulo Magalhães passa a narrar outros episódios que não são o ponto central da denúncia feita pelo Novo.
O parecer faz alusão a uma série de condutas em cronologias distintas à do episódio envolvendo Glauber e Gabriel Costenaro.
Esse ponto é questionado por aliados de Glauber Braga. Eles afirmam que o relator “misturou” representações e denúncias anteriores — já descartadas pelo Conselho de Ética —, dando especial enfoque a embates de Glauber com o ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL).
Para Paulo Magalhães, as condutas ferem o Código de Ética da Câmara e apontam uma quebra de decoro do parlamentar, o que justificaria a cassação do mandato de Glauber.
O que diz Glauber
Desde o início do processo, Glauber não negou ter agredido o militante do MBL. O deputado disse, porém, que a conduta foi adotada para dar fim a uma perseguição do movimento contra ele.
Em depoimento ao Conselho de Ética, Glauber disse que Gabriel Costenaro o havia abordado em outras ocasiões no Rio de Janeiro. Glauber sustenta que, no dia das agressões na Câmara, teria reagido aos ataques de Costenaro a ele, a aliados e à própria mãe do parlamentar.
“Talvez eu merecesse uma chamada de atenção, se não tivesse feito a defesa da honra da minha mãe naquele momento. Eu não sei como a minha cabeça ficaria se eu não tivesse, naquele momento, feito a defesa da honra dela e me acovardado — minha mãe, que veio a falecer no mês seguinte”, declarou o parlamentar na última semana.
Para Glauber Braga, o voto apresentado por Paulo Magalhães teria sofrido interferência do ex-presidente da Câmara Arthur Lira — o que Magalhães nega.
Glauber afirma que Magalhães foi “comprado” por Lira. Aliados do parlamentar do PSOL apontam que há, ao longo de toda a argumentação de Magalhães, uma série de menções a embates com Arthur Lira — que não é o objeto da denúncia apresentada pelo Novo.
“Esse pedido de cassação é uma ação do Lira e é impossível ocultar isso. O provocador[, Gabriel Costenaro], é uma desculpa pra calar quem se manifesta contra o escândalo do orçamento secreto”, disse Glauber Braga ao g1.
O voto de Magalhães faz, de fato, uma série de referências diretas a supostos ataques de Glauber a Lira — mesmo este não sendo o cerne da denúncia oferecida pelo Novo.
O relator dá destaque ao comportamento de Glauber contra Arthur Lira ao defender que as condutas do parlamentar “atingem a honra e dignidade” da Câmara.
“Cabe frisar que as agressões físicas e verbais praticadas pelo representado, sobretudo as ofensas dirigidas ao [então] presidente desta Casa [Arthur Lira], não só maculam a integridade física e moral dos envolvidos, mas também atingem a honra e dignidade deste Parlamento e de seus membros”, escreveu Paulo Magalhães.
Glauber Braga entrou em rota de colisão com Arthur Lira ao longo do último ano. O deputado denunciou supostas irregularidades na distribuição justamente de emendas parlamentares.
Glauber foi ouvido pela Polícia Federal em um inquérito que apura uma suposta manobra de Lira para interferir no destino de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão.
No ano passado, em uma das etapas do processo no Conselho de Ética, Glauber Braga chamou Lira de “bandido” e disse que Paulo Magalhães estava “combinado” com o então presidente da Câmara para aprovar a sua cassação. A tônica foi repetida nesta quarta.
À época, diferentemente de outras ocasiões, Arthur Lira fez questão de se manifestar publicamente contra o deputado.
Lira defendeu uma “pronta repulsa” a Glauber. E afirmou, na ocasião, que “xingamentos, ofensas pessoais e agressões são comportamentos incompatíveis com a compostura e com o decoro que se esperam de um integrante da Câmara dos Deputados”.
Ao defender Lira das supostas agressões feitas por Glauber, o voto de Paulo Magalhães afirma que o deputado do PSOL “buscou desmoralizar e descredibilizar” o então presidente da Câmara, em uma tentativa de “culpabilizá-lo pelas condutas narradas”.
Glauber Braga afirma que tem sido perseguido por Arthur Lira e argumenta que há relação entre o desfecho de seu caso e o envio de emendas parlamentares a redutos eleitorais de Paulo Magalhães.
Levantamento feito pelo deputado do PSOL diz que municípios em que Magalhães obteve maior votação proporcional na Bahia têm um total de R$ 39,8 milhões em emendas.
Fonte: Kevin Lima, Marcela Cunha, Luiz Felipe Barbiéri, g1 — Brasília – 09/04/2025